quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Dois mandantes da chacina dos fiscais de Unaí no banco dos réus e outro mandante em delação premiada.

Dois mandantes da chacina dos fiscais de Unaí no banco dos réus e outro mandante em delação premiada.
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Frei Gilvander Luís Moreira[1]

Dia 28 de outubro de 2015, uma quarta-feira chuvosa em Belo Horizonte, assim como na manhã do dia 28 de janeiro de 2004, em Unaí, também uma quarta-feira, dia em que quatro mandantes e cinco jagunços fizeram uma sexta-feira da paixão no município de Unaí, noroeste de Minas Gerais, ao assassinarem, premeditadamente e a mando, três fiscais do Ministério do Trabalho e um motorista. 
Sentado ao lado das viúvas dos fiscais, eu assisti no tribunal do júri da Justiça Federal, em Belo Horizonte, MG, o 2º dia de julgamento de Norberto Mânica e José Alberto de Castro, dois dos quatro mandantes da Chacina dos fiscais Eratóstenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos, João Batista Soares Lage, 50 anos, e Nelson José da Silva, 52 anos, e do motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos, idades que tinham quando foram assassinados.
Fiquei muito comovido ao ver as viúvas chorando várias vezes durante o depoimento de Hugo Alves Pimenta. Enquanto eu tentava consolá-las, indignado assistia ali o julgamento de uma barbárie, prova de que não estamos em uma sociedade justa em nem democrática. Passava na minha memória os milhares de trabalhadores ainda submetidos à situação análoga à de escravidão. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), mais de 30 mil. A CPT tem uma Campanha Permanente contra o Trabalho Escravo. Os fiscais foram barbaramente assassinados há quase 12 anos, porque combatiam a existência de trabalho escravo em fazendas do agronegócio no município de Unaí.
Hugo Pimenta, um dos quatro mandantes, em delação premiada, narrou com detalhes a trama satânica e covarde para assassinar os fiscais. Imputou, com descrições eloquentes, Norberto Mânica, Antero Mânica e José Alberto como os mandantes da chacina, mas implicitamente também revelou que ele, Hugo Pimenta, foi um dos quatro mandantes. Disse que sobre Antero Mânica falará no dia do julgamento dele, dia 04 de novembro de 2015. Enfim, revelou o que jagunços, muitas testemunhas, várias provas, as polícias federal e civil e o Ministério Público Federal demonstram: Norberto Mânica, Antero Mânica, José Alberto e ele, Hugo Pimenta, foram os mandantes da chacina.
Hugo Pimenta admitiu que participou de várias reuniões com José Alberto e Norberto Mânica cujo assunto era como matar o fiscal Nelson. Segundo Hugo Pimenta, o José Alberto conhecia a muito tempo o Chico Pinheiro, um agenciador de jagunços que morava em Formosa, GO. “Após Norberto Mânica dizer reiteradas vezes que não tolerava mais o fiscal Nelson José da Silva vistoriando e multando suas fazendas, que estava decidido a mandar matá-lo, o José Alberto disse ao Norberto que conhecia quem poderia fazer o serviço”, narrou Hugo Pimenta.
Hugo Pimenta confessou que a pedido de Norberto Mânica entregou, em espécie, nas mãos de José Alberto R$39.000,00 (Trinta e nove mil reais) para José Alberto pagar o Chico Pinheiro, o agenciador dos outros jagunços, morto na prisão antes de ser julgado. “O Zezinho, como era chamado o José Alberto, pagou os 39 mil reais aos jagunços a mando do Norberto Mânica.”
Em uma narrativa que incrimina explicitamente Norberto Mânica e José Alberto – dizendo que sobre Antero Mânica falará no dia do julgamento dele -, mas, nas entrelinhas se entregando também como mandante, Hugo Pimenta disse, além do dito, acima, entre outras coisas, 14 denúncias graves. Listo-as, abaixo:
1 - “Na prisão, Norberto Mânica prometeu pagar mais 200 mil reais para o jagunço Rogério Alan, 300 mil para o jagunço Erinaldo e dar o equivalente a 300 novilhas para Wiliam, o terceiro jagunço, os três condenados em 2013 a penas de 56 a 97 anos de prisão.”
2 - “Norberto Mânica disse na prisão: “Não estou arrependido de jeito nenhum. O Nelson eu mandaria matar mil vezes.””
3 - “Erinaldo (um dos jagunços) foi procurado duas vezes por Norberto Mânica para matar uma família no Paraná. Isso após a chacina dos fiscais. Disse para Erinaldo que queria que fosse morto até as galinhas e os cachorros.”
4 - “Norberto Mânica pagou um habeas corpus para o Rogério Alan, um dos jagunços.”
5 - “José Alberto recebeu um telefonema dos jagunços dizendo que não tinha como matar somente o fiscal Nelson, porque havia outros com ele. O Zezinho, como era conhecido o José Alberto, disse isso para o Norberto Mânica, que respondeu na hora: “Tora todo mundo.”
6 - “‘Torar todo mundo’ significa matar todos.”
7 - “Norberto Mânica me disse – para Hugo Pimenta: “Eu vendo uma fazenda e resolvo tudo.”
8 – “Norberto Mânica propôs que eu, Hugo Pimenta, assumisse toda culpa.”
9 – “Estive preso na mesma cela com Norberto Mânica. Durante nossa prisão, quando que tentava falar de algumas passagens bíblicas para o Norberto, ele disse: “Bíblia e bosta é a mesma coisa.”
10 – “Chico Pimenta – o agenciador de outros jagunços – me disse: “Matei outros três e saí pela porta da frente após o júri.”
11 – “Norberto Mânica disse: “O mundo é muito pequeno para mim e para o Nelson.”
12 - “Norberto Mânica planejou matar o fiscal Nelson de 1 a 2 anos.”
13 - “Norberto Mânica pagava mesada para os pistoleiros presos.”
14 - “Norberto e eu, Hugo Pimenta, tínhamos vários terrenos em sociedade, um tinha 30.000m2.”

Enquanto ouvia o depoimento de Hugo Pimenta e as perguntas questionadoras do Ministério Público Federal e dos vários advogados de defesa de Norberto Mânica e de José Alberto, eu me perguntava: Qual deve ser a pena justa?
Segundo o código penal brasileiro, a pena máxima que a pessoa pode cumprir no Brasil, em tese, é 30 anos. Sendo 4 réus, então, a pena pode chegar a 120 anos para cada um dos mandantes. Mas condenar a muitos anos de prisão não adianta. Ouvi falar que o jagunço Erinaldo, condenado a 76 anos, deverá entrar em liberdade condicional em 2016. O fazendeiro Adriano Chafic, mandante do massacre de 5 Sem Terra do MST, em Felisburgo, MG, após 10 anos, foi julgado e condenado a 115 anos de prisão, mas saiu do Forum Lafaiete, após o tribunal do júri, em Belo Horizonte, pela porta da frente e está livre até hoje, amparado por recursos judiciais que só existem para os ricaços nesse país. Acontecerá o mesmo com os indiciados como mandantes da Chacina de Unaí?
Intuo que pena justa seria, além de certo número de anos na prisão, confiscar as fazendas e os bens dos mandantes e distribuí-los com os 30 mil trabalhadores submetidos a situação análoga à de escravidão no Brasil. O confisco das fazendas onde for flagrado trabalho escravo já foi aprovado no Congresso Nacional, por causa da comoção causada pela Chacina de Unaí.
De acordo com a lei vigente, são elementos que determinam trabalho escravo: condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se recuperar fisicamente e ter uma vida social – um exemplo são as mais de duas dezenas de pessoas que morreram de exaustão no corte da cana no interior de São Paulo nos últimos anos), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, retenção de documentos, ameaças físicas e psicológicas, espancamentos exemplares e até assassinatos) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).
Em tempo: questionado se teria enriquecido muito, Hugo Pimenta respondeu: “Qual o problema de alguém ganhar muito dinheiro licitamente?” Um advogado de defesa de um dos mandantes comentou: “De fato, não há problema alguém ganhar dinheiro o máximo que puder.”
Diante dessas duas posições, alerto que o enriquecimento ilimitado só é compreendido em uma sociedade capitalista por quem tem cabeça de capitalista, pois uma sociedade segundo os princípios cristãos e éticos não abona o enriquecimento e a acumulação de riqueza, porque isso implica no empobrecimento e na marginalização de muita gente. Para uns se enriquecerem, muitos são empobrecidos. Logo, não é ético o que Hugo Pimenta e o advogado defenderam ao justificarem o enriquecimento ilimitado. Toda riqueza é fruto de injustiça e, por isso, causadora de trabalho degradante etc.
Ao final do julgamento, Norberto Mânica foi condenado a 100 anos de prisão e José Alberto de Castro, a 96 anos, mas recorrerão da pena em liberdade. Assim se confirma o que diz a sabedoria popular: “Só vai para as prisões pobre, negro e jovem.” Injustiça isso.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 04/11/2015.




[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.freigilvander.blogspot.com.br - www.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Retrocesso ambiental e a falácia desenvolvimento sustentável

Retrocesso ambiental e a falácia desenvolvimento sustentável

Por Profa. Dra. Andréa Zhouri (coord. GESTA-UFMG), Prof. Dr. Klemens Laschefski (IGC-UFMG) e Vinicius Papatella (advogado, pesquisador GESTA-UFMG).

Face às mobilizações sociais e ambientalistas em nível nacional e internacional, o Estado brasileiro organizou ao longo das décadas de 1980 e 1990 uma nova política ambiental, centrada em dispositivos de avaliação de impacto e licenciamento de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do ambiente. A orientação participativa previa não somente a conjugação de uma avaliação técnica e política sobre a viabilidade dos novos projetos, quanto abria espaço para a oitiva da sociedade civil, em especial, os grupos potencialmente atingidos pelas prováveis intervenções. Desse modo, organizava-se institucionalmente o licenciamento ambiental como um espaço de governança e progressiva negociação, através do exame de três licenças sucessivas que deveriam ajuizar sobre a conformidade das obras às exigências técnicas, locacionais e legais.
Os contornos e instrumentos dessa política incorporavam à sua pauta a noção de “desenvolvimento sustentável”, a qual se projetava como uma proposta alternativa, mais convergente e otimista, capaz de agregar os diferentes “setores” da sociedade na busca de soluções orientadas para a harmonização entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Com surpreendente capacidade catalisadora, o crescente prestígio da noção de desenvolvimento sustentável foi acompanhado por um processo de despolitização dos debates e escamoteamento dos conflitos abrindo espaço para o paradigma da modernização ecológica e sua lógica operativa da “adequação” no âmbito do licenciamento ambiental.
As expectativas participativas com vistas à acomodação de interesses e à construção de decisões consensualizadas se viram progressivamente frustradas devido à concomitante multiplicação das tensões no terreno, onde os sentidos de “desenvolvimento” e “sustentabilidade” permaneciam, como permanecem, sendo contestados. De forma concomitante, delineavam-se novas formas de inserção do país na economia-mundo e suas correspondentes exigências de ajuste econômico e liberalização. Nesse processo, as conquistas da redemocratização no campo ambiental foram capturadas e ingeridas por novos aspectos conjunturais que redundaram na hegemonia da incorporação dos constrangimentos ecológicos à lógica do capitalismo.
Vivemos atualmente o ápice desse processo. No último dia 06 o Plenário da Assembléia Legislativa recebeu do Governador de Minas o PL nº 2.946/2015 em regime de urgência, o que compromete o tempo necessário para avaliações criteriosas do que significariam as propostas de alteração do Sistema Estadual de Meio Ambiente. Seus apoiadores defendem o “aperfeiçoamento e a modernização” do licenciamento e, como justificativa, apresentam números que alegam representar o quanto este procedimento administrativo estaria “emperrando” o desenvolvimento mineiro. Os números e a argumentação não deixam dúvidas sobre a perspectiva desenvolvimentista e os interesses economicistas que agora se arrogam como defensores da “sustentabilidade”. Com efeito, trata-se aqui, de forma evidente, da sustentabilidade dos negócios.
Ambientalistas de diferentes matizes, sejam conservacionistas, preservacionistas, socioambientais, assim como grupos atingidos, técnicos, pesquisadores e acadêmicos disputam o sentido de desenvolvimento e de sustentabilidade apresentado pelo governo no PL. Nossas pesquisas há muito vem denunciando os problemas do licenciamento ambiental pautado pela pressão economicista que, de fato, foi transformando aquele em um balcão de licenças ao longo dos anos. As Audiências Públicas, único momento formal em que a participação está prevista durante todo o processo, na maioria das vezes, não se prestam a ouvir os interessados e a esclarecer dúvidas sobre os projetos, mas tão somente operam um jogo de cena de procedimentos democráticos e participativos. Como prática cada vez mais recorrente, os Estudos Ambientais são mal elaborados, com casos evidentes de cópias mal adaptadas e o uso de dados já defasados, sendo uma das reais causas daquilo que reclamam ser a “morosidade” do licenciamento ambiental. O problema então não está simplesmente no SISEMA. Falta, sobretudo, compromisso dos setores produtivos e das suas equipes de consultoria ambiental para a realização de estudos sociais, econômicos e ambientais sérios e competentes. Uma leitura técnica feita com um mínimo de seriedade não permite aprovar licenças sem uma adequação igualmente mínima aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, precaução e prevenção.
Em nota pública, técnicos do SISEMA já denunciaram a ingerência do setor produtivo além da carência de equipamentos básicos como GPS, máquina fotográfica, computadores, má remuneração, entre outros fatores de precarização do trabalho do agente ambiental. O sucateamento das instituições ambientais e o trânsito de sujeitos entre estas e as funções diretivas de empresas extrativas são apenas alguns dos ingredientes do processo de desmanche do Sistema Ambiental em Minas Gerais.
Nas ordens de justificativa contra o PL 2.946/2015 os números e volumes são outros. Minas Gerais lidera por 5 anos consecutivos o ranking do desmatamento da Mata Atlântica no Brasil (Estado de Minas, 17/12/2014) e ocupa o 2º lugar em lista de trabalho escravo (MTE, 2015). O SISEMA tem sido conivente com a transferência de recomendações dos Termos de Referência para etapas posteriores à emissão da Licença Prévia; tem concedido licenças ambientais com expressivo número de condicionantes muitas vezes não cumpridas na fase adequada do licenciamento, a exemplo do projeto de mineração e mineroduto em Conceição do Mato Dentro, com aproximadamente 400 condicionantes, número maior que a polêmica barragem de Belo Monte.
Devido a má gestão e a falta de planejamento ao longo dos anos, outros indicadores ainda são expressivos: Minas tem convivido com a destruição dos aquíferos e áreas de recargas, principalmente pela mineração e extensivas monoculturas de eucalipto, com altos índices de assassinatos no campo, além de comunidades quilombolas que aguardam o reconhecimento de seus territórios e os conflitos em terras indígenas. Para boa parte daqueles que se reconhecem como membros da sociedade civil, esses são temas indicadores do desenvolvimento sustentável e da modernidade de um estado. Analisar projetos em fatias isoladas, bem como submeter um PL dessa natureza ao regime de urgência, deixam ocultas as falhas e os danos potenciais, representando uma metodologia desfiguradora da realidade, imprecisa, ilegal e até imoral.
Os defensores do PL 2.946/2015 evidenciam uma compreensão do licenciamento ambiental como mera instância concessora de licenças quando, em realidade, a sua função é a avaliação dos possíveis impactos sociais e ambientais dos empreendimentos de modo a concluir pela sua viabilidade ou inviabilidade. Trata-se, portanto, de uma inversão de sentido que desmascara a defesa de um desenvolvimento que, ao mesmo tempo que é sedento por água potável, é perverso, faz adoecer, amputar e morrer.
O que os defensores do PL 2.946/2015 pretendem é consagrar institucionalmente a sustentabilidade dos negócios de setores específicos, a despeito das culturas dos ambientes, dos povos ecossistêmicos e de todos nós, que vivemos na dependência da materialidade ambiental e não das cifras e metas econômicas abstratas traçadas por interesses econômicos particulares. Mudanças no sistema ambiental são necessárias e urgentes, porém a parcialidade da proposta e a arbitrariedade na proposição do PL nos fazem temer pelo retrocesso ambiental e político no estado de Minas de Águas Gerais.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 27/10/2015.



quarta-feira, 21 de outubro de 2015

STJ decide: Despejo com violação dos direitos humanos é ilegal! Uma vez mais a Izidora Resiste!

STJ decide: Despejo com violação dos direitos humanos é ilegal! Uma vez mais a Izidora Resiste!
Foi publicada a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que garante temporariamente a permanência e a proteção dos moradores das Ocupações da Izidora até que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgue a legalidade da operação policial de desocupação da área, determinada pela juíza Luzia Divina, da 6ª Vara da Fazenda Municipal.
O Ministro Og Fernandes, Relator do Recurso interposto pelo Coletivo Margarida Alves no STJ, afirmou que em casos como o da Izidora, o que se apresenta é um conflito entre direitos: de um lado, o direito à vida, à moradia, à liberdade, à inviolabilidade domiciliar e à própria dignidade da pessoa humana; de outro, o direito à propriedade. Conforme a decisão, nesse contexto há que se observar o princípio da proporcionalidade e, portanto, a vida e a integridade das pessoas envolvidas devem ser sempre protegidas: “A desocupação da área, à força, não acabará bem, sendo muito provável a ocorrência de vítimas fatais. Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana. Na ponderação entre a vida e a propriedade, a primeira deve se sobrepor.” (p. 12)
O Ministro deixou claro que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que “o princípio da proporcionalidade tem aplicação em todas as espécies de atos dos poderes constituídos, vinculando o legislador, o administrador e o juiz.” (p. 2) Assim, deve ser observado também pela polícia na execução de operações de reintegração de posse. Conforme asseverou Og Fernandes, não raro as ações da Polícia Militar em conflitos que envolvem grande número de pessoas “vêm desacompanhadas da atenção devida à dignidade da pessoa humana e, com indesejável frequência, geram atos de violência.” E completou: “Por essa razão, a Suprema Corte e o STJ, nos precedentes mencionados, preconizam que o uso da força requisitada pelo Judiciário deve atender ao primado da proporcionalidade.” (p. 2-3).
Ainda conforme a decisão, em situações de relevante conflito social é possível que o Estado da Federação se negue a disponibilizar força policial para execução de remoção forçada. De acordo com o Ministro, o Superior Tribunal já “admitiu, excepcionalmente, hipótese de recusa, por Estado da federação, em proporcionar força policial para reintegração de posse ordenada pelo Poder Judiciário quando a situação envolver diversas famílias sem destino ou local de acomodação digna, a revelar quadro de inviável atuação judicial.” (p. 12) Isso porque, nesse contexto, “compelir a autoridade administrativa a praticar a medida poderia desencadear conflito social muito maior que o prejuízo do particular.” (p. 12)
Na decisão, o Superior Tribunal de Justiça aplicou não apenas a proteção de direitos garantida no art. 6º da nossa Constituição, mas também em tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção dos Direitos das Crianças. Também ressaltou a necessidade de se cumprir as normas e diretrizes do próprio estado de Minas Gerais, tais como as recomendações do Escritório de Direitos Humanos, a Lei Estadual n. 13.053/98, e a Diretriz para Prestação de Serviços de Segurança Pública 3.01.02/2011-CG da Polícia Militar.
E, ao concluir, o Ministro relator afirmou que a desocupação da área só pode ocorrer caso sejam demonstradas, de modo inequívoco, “garantias de que serão cumpridas as medidas legais e administrativas vigentes para salvaguardar os direitos e garantias fundamentais das pessoas que serão retiradas.” (p. 18) Até o momento, o que se tem é uma evidente “indeterminação do modus operandi a ser adotado no caso em tela”, o que portanto justifica a suspensão do despejo, constituindo prova pré-constituída do direito alegado pelos moradores da Izidora.
É importante ressaltar que o impacto dessa decisão vai além do caso específico da Ocupação Izidora, e constitui uma conquista histórica de todas e todos que lutam por uma cidade justa e inclusiva! O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sinaliza que ele está comprometido a garantir um tratamento digno e humano às ocupações espalhadas pelo país e, ainda mais importante, a proteger os direitos fundamentais de seus moradores.
Essa decisão é resultado das ações integradas dos movimentos urbanos, das ocupações, dos/as artistas e advogadas/os populares que semeiam pelos imóveis vazios, praças, ruas e canteiros de nossa cidade a esperança do novo!
Por isso, hoje é dia de celebração pela colheita do fruto da força popular! Mas sem descansar, pois essa é uma vitória parcial e temporária, e a verdadeira conquista só vira com muita mobilização e luta.
Contatos:
Thaís Lopes: cel. 31-998820094
Mariana Prandini: cel. 61-81010846
Acesse a decisão na íntegra:

Chacina dos fiscais em Unaí: quase 12 anos depois, o que não pode ser esquecido. Justiça à vista?

Chacina dos fiscais em Unaí: quase 12 anos depois, o que não pode ser esquecido. Justiça à vista?
Frei Gilvander Luís Moreira[1]

Era dia 28 de janeiro de 2004, uma quarta-feira chuvosa, 08:20hs da manhã, em uma emboscada, cinco jagunços dispararam rajadas de tiros em quatro fiscais da Delegacia Regional do Ministério do Trabalho, perto da Fazendo Bocaina, município de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. Passaram-se 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 anos. Já foi aprovada a Lei 12.064, que criou o dia 28 de janeiro como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Mas e a Justiça? Por onde anda? No dia 28 de janeiro de 2016 completam 12 anos da chacina. Até agora, um dos jagunços presos morreu e outros três jagunços - Rogério Alan Rocha Rios, William Gomes de Miranda e Erinaldo de Vasconcelos Silva - estão presos cumprindo penas, condenados por júri popular em agosto de 2013, quase dez anos depois, pelo assassinato de quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Um dos jagunços foi condenado a 94 anos de prisão.
Na maior chacina contra agentes do Estado Brasileiro, foram ceifadas as vidas de Eratóstenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos, João Batista Soares Lage, 50 anos, e Nelson José da Silva, 52 anos, além do motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos. Por quê? Como servidores éticos, estavam cumprindo seu dever: fiscalizando fazendas do agronegócio no município de Unaí. Multaram vários fazendeiros. A família Mânica, por exemplo, foi multada em mais de 3 milhões de reais. Motivo das multas: trabalhadores em situações análogas à escravidão, sobrevivendo em condições precárias e imersos no meio de uso exagerado de agrotóxicos. Por isso, os fiscais foram ameaçados de morte. O fiscal Nelson chegou a fazer um relatório alertando sobre as ameaças que vinha sofrendo.
Uma Tese de Doutorado, de 2007, em Psicologia Social, pela UNB, da Dra. Magali Costa Guimarães, sob o título “Só se eu arranjasse uma coluna de ferro pra aguentar mais...”, sobre o custo humano – o que acontece com os trabalhadores rurais - na colheita do feijão no município de Unaí, afirma:
Também se ouviu, por parte dos trabalhadores, muitos comentários e queixas sobre o uso de produtos químicos na planta (denominados por eles como ‘veneno’), alguns relatam que o cheiro faz com que tenham dores de cabeça e mal-estar. Outros se queixam, pois acham que, muitas vezes, os produtores não esperam o prazo correto – período de carência – para colher (segundo alguns, de três dias), daí acabam passando mal na hora de processar o arranquio do feijão. O ‘veneno’ aparece, inclusive, como resposta do trabalhador à pergunta: “o que em seu trabalho não te faz sentir bem?” É o ‘veneno’, junto com outras características das condições de trabalho, da atividade e da organização, gerador de mal-estar no trabalho. Mas, mais do que mal-estar, os problemas de saúde e adoecimentos ligados ao uso indevido ou à exposição a agrotóxicos já foram identificados em diferentes estudos científicos que revelam ser uma ocorrência bastante comum no setor agrícola. Os estudos citados mostram que este uso e/ou exposição tem sido responsável por doenças respiratórias, no sistema reprodutivo – infertilidade, abortos, dentre outras – e diferentes formas de manifestação de câncer.”

Quem matou e quem mandou matar? Um arrojado processo de investigação das Polícias Federal e Civil apresentou um grande elenco de provas robustas, tais como: confissão dos jagunços que estão presos e condenados, pagamento de 45 mil reais em depósito bancário, nomes e identidades dos jagunços no livro de hotel, em Unaí, onde estavam hospedados os fiscais, comprovando que lá dormiram também os jagunços; depoimento do Ailton, motorista dos fiscais, que, após recobrar a consciência, depois do massacre, ainda encontrou forças para dirigir a camionete até a estrada asfaltada, mas morreu sendo levado para socorro em Brasília; uma série de telefonemas entre os jagunços e mandantes, antes e depois da chacina; um automóvel encontrado jogado dentro do lago Paranoá, em Brasília; relógio do Erastóstenes encontrado dentro de uma fossa, na cidade de Formosa, GO  etc.
No 3º aniversário da chacina, dia 28 de janeiro de 2007, no local onde o sangue dos fiscais foi derramado na terra mãe, o bispo dom Tomás Balduíno, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) alertou: “Os fiscais são mártires da luta contra o Trabalho Escravo. A Comissão Pastoral da Terra diz que há mais de 25 mil pessoas ainda submetidas a situação análoga à escravidão no Brasil. Os fiscais foram vítimas do agronegócio, das monoculturas da soja, do feijão, da cana-de-açúcar, do eucalipto. Exigimos justiça já, em nome do Deus da vida.”
Marinês, viúva do fiscal Erastóstenes, com a voz embargada, em meio a lágrimas, clamou por justiça:
Ao saber que meu amado marido Erastóstenes tinha sido assassinado junto com João Batista, Nelson e Ailton, uma espada de dor transpassou meu coração e continua transpassando, porque a justiça ainda não foi feita. A dor e a angústia continuam muito grandes diante da impunidade. Pelo amor de Deus, julguem logo os assassinos, jagunços e mandantes. Os fiscais foram assassinados durante seu trabalho, por trabalharem bem, por serem honestos, por não se corromperem e por cumprirem o seu dever. Exigimos justiça! Que mais este massacre não fique na impunidade.”
A família do Ailton passou necessidades econômicas após a morte dele. As viúvas dos fiscais fizeram “vaquinha” para ajudar dona Marlene, viúva do Ailton. As famílias dos fiscais foram postas em um tipo de prisão domiciliar. O medo de pessoas estranhas, a solidão, a tristeza, a angústia, uma espada de dor transpassando o coração, insônia, problemas de saúde, dificuldades, muitas lágrimas. Tudo isso passou a ser pão de todo dia para as famílias.
Dona Marlene diz que gostaria de se encontrar com os jagunços e com os supostos mandantes e perguntar a eles: “Por que vocês fizeram isso? Por qual motivo? Vocês não tiraram a vida apenas de quatro pais de família. Vocês transtornaram a vida de nossas famílias e de nossos amigos. Meu pai e minha mãe adoeceram e morreram. A mãe do Ailton também. Tenho certeza que também por causa disso.”

Dona Marlene acrescenta:
“Nas festividades - datas de Natal, Páscoa, aniversário dos filhos, na formatura dos filhos – sentimos muito a falta do Ailton. Isso dói muito. Meu filho Ariel, dia 26 de janeiro de 2004, completou 15 anos de idade. Nesse dia, o Ailton saiu de casa para levar os fiscais. Dois dias após, Ailton e os fiscais foram assassinados. Esse foi o presente de aniversário que meu filho recebeu. Por isso meu filho não gosta de falar sobre esse assunto. Hoje, graças a Deus, já formado em Economia, Ariel é um filho exemplar e honrado. Teve que fazer acompanhamento psicológico para superar muitos problemas. Fomos colocados numa espécie de prisão. Espero que também os mandantes sejam presos. Eles precisam experimentar a solidão da prisão. No julgamento não podem condenar só os jagunços, mas também os mandantes. Precisam condenar os pequenos e os grandes.”

Dona Marlene manda também um recado às pessoas de boa vontade:
“Marquem logo esse julgamento. Não tardem mais! Eu peço a todos que perderam algum parente assassinado que venham participar do julgamento. Fiquem ao nosso lado. Espero que todas as pessoas nos ajudem nesse julgamento. Participem. Quem passou pela mesma dificuldade, venha participar conosco do julgamento. Assim poderemos ter um pouco de justiça nesse nosso Brasil.”

Sobre o pai Ailton, o motorista dos fiscais, a filha Rayanne Pereira, já formada em Biologia, diz:
“Meu pai Ailton era um homem de um coração bondoso. Ele estava sempre disposto a ajudar as pessoas e a socorrer quem precisava. No sepultamento do meu pai, aqui em Prudente de Morais, havia gente demais, parecia que tinha morrido uma grande autoridade. É que o meu pai era querido por todos aqui na cidade. Homem trabalhador, Ailton trabalhou na Embrapa, na LBA, no DNER e, por último, no Ministério do Trabalho. Meu pai foi um herói, inclusive, porque, mesmo baleado, dirigiu vários quilômetros rumo ao hospital. Ao ser encontrado por policiais, ele repetia: “Socorre meus companheiros, os fiscais. Cuide deles. Eles não podem morrer.”  Assim, meu pai pensava, primeiro, nos outros e não nele mesmo. O Ariel, meu irmão, e eu aprendemos muitos bons valores com nosso pai e com nossa querida mãe que teve força para erguer a cabeça e continuar cuidando de nós. Tudo que sou devo ao meu pai e a minha mãe que me ensinaram a seguir a lado certo da vida. Meu pai foi voluntário no asilo, ajudou a alfabetizar várias pessoas. Ele e minha mãe sempre ajudaram muito a comunidade aqui de Prudente de Morais.”

Morando na cidade de Unaí, Elba Soares da Silva, viúva do fiscal Nelson, ao tentar buscar explicações para tantas perguntas angustiantes, diz: “Eu já consegui perdoar os assassinos. Agora é eles e Deus. Eu me perguntei muito ‘Por que Deus colocou o Nelson no meu caminho para eu viver com ele somente quatro anos?’ Deus me deu a resposta: O Nelson precisaria de alguém em Unaí para continuar gritando por ele.” Nelson conheceu Elba, enquanto fiscalizava um frigorífico de Unaí, onde Elba trabalhava. De fato, Elba nos últimos nove anos tem sido uma batalhadora incansável para que o julgamento da Chacina de Unaí aconteça e a justiça reine.
Depois de muita luta pressionando para que os indiciados como mandantes fossem julgados e após muitas manobras jurídicas para retardar o julgamento dia 28 de outubro de 2015, às 08:00h, iniciou o julgamento de dois indiciados como mandantes: Norberto Mânica e José Alberto de Castro. Norberto Mânica foi condenado a 100 anos de prisão e José Alberto de Castro, a 96 anos, mas recorrerão da pena em liberdade. O julgamento do fazendeiro e ex-prefeito de Unaí pelo PSDB, Antero Mânica, iniciou dia hoje, dia 04 de novembro de 2015. E o julgamento de Hugo Pimenta está remarcado para iniciar dia 10 de novembro próximo.
Faz bem recordar que o fazendeiro Adriano Chafic, mandante do massacre de 5 Sem Terra do MST, em Felisburgo, MG, após 10 anos, foi julgado e condenado a 115 anos e prisão, mas saiu do Forum Lafaiete, em BH, livre e está livre até hoje, amparado por recursos judiciais que só existem para os ricaços nesse país. Acontecerá o mesmo com os indiciados como mandantes da Chacina de Unaí?
Enquanto reina a injustiça, a impunidade, o município de Unaí se transformou em campeão na produção de feijão, no uso de agrotóxico e no número de pessoas com câncer. Relatório do deputado Padre João (PT) demonstra que o número de pessoas com câncer, em Unaí, é 5 vezes maior do que a média mundial. A cada ano, 1260 pessoas contraem câncer na cidade. Aliás, um hospital do câncer já está sendo construído na cidade, pois ficará menos oneroso do que levar toda semana vários ônibus lotados de pessoas para se tratarem de câncer no Estado de São Paulo. A terra, as águas e a alimentação estão sendo contaminadas pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Trabalho escravo e agrotóxicos matam!
Está na Bíblia que o Deus da vida, ao ficar indignado com o assassinato de Abel pelo seu irmão Caim, perguntava: “Caim, cadê seu irmão Abel?” (Gênesis 4,9). Caim se escondia. Há quase 12 anos, junto com as viúvas, os familiares, os fiscais federais e todas as pessoas que lutam por justiça, o Deus da vida está perguntando: “Norberto Mânica, Antério Mânica, José Alberto de Castro e Hugo Alves Pimenta, cadê nossos irmãos Nelson, Erastóstenes, João Batista e Ailton?” Parem de se esconder atrás de intermináveis recursos jurídicos e assumam as consequências do que vocês fizeram.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 de novembro de 2015.

Obs.: Para maiores informações, sugiro assistir aos vídeos nos links, abaixo:
1)   Domingo espetacular: A Grande Reportagem traz depoimentos dos pistoleiros sobre a Chacina de Unaí.

2) Chacina dos fiscais em Unaí: Entrevista com a viúva do Ailton, Marlene e filha Rayanne. 18/01/2013

3)   Entrevista com Elba, viúva de Nelson, um dos 4 fiscais assassinados em Unaí dia 28/01/2004.

4) 8 anos do massacre de 4 fiscais do MTE, em Unaí - Entrevista com Calazans - 1a parte - 12/01/2012 

http://www.youtube.com/watch?v=wTbKFTEQM_o

 

5)      Segunda parte de entrevista com Carlos Calazans sobre a Chacina de Unaí.

https://www.youtube.com/watch?v=lNxSXMJ5xrM

 


6) Matéria 6 anos de Impunidade - Chacina de Unaí



7) Crime de Unaí - Rede Record.mp4


8) PGR Chacina Unaí (09/02/12)








[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.freigilvander.blogspot.com.br - www.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira

domingo, 18 de outubro de 2015

FRENTE AMPLA CONTRA O PL 2.946/2015 na ALMG. Manifestação das Entidades Socioambientais, Sindicais e Acadêmicas.

FRENTE AMPLA CONTRA O PL 2.946/2015 na ALMG. 

Manifestação das Entidades Socioambientais, Sindicais e Acadêmicas.


É notório no referido projeto o caráter centralizador no poder executivo e a redução do poder do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) enquanto instância colegiada decisória, sendo assim inconstitucional e incompatível com a plataforma democrática que veio sendo defendida pelo Governador de Minas Gerais.”

Assunto: Projeto de Lei nº 2.946/2015 

As entidades e movimentos ambientais e sociais, reunidos para analisar o Projeto de Lei nº 2.946/2015, de autoria do Governador Fernando Pimentel, encaminhado à Assembleia Legislativa em regime de urgência e publicado no Diário do Legislativo no dia 8/10/2015, decidiram se manifestar sobre o seu teor e a sua tramitação na Casa do Povo e Parlamento da Democracia.
Este Projeto de Lei apresenta profundas alterações no Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA) e no âmbito da política ambiental de Minas Gerais, alterando consideravelmente a sua base conceitual, alicerçada até hoje no dever constitucional do Poder Público e da coletividade defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. É notório no referido projeto o caráter centralizador no poder executivo e a redução do poder do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) enquanto instância colegiada decisória, sendo assim inconstitucional e incompatível com a plataforma democrática que veio sendo defendida pelo Governador de Minas Gerais.
E estas alterações não foram compartilhadas com o COPAM, como a legislação vigente e o Decreto nº 46733/2015 de 30/3/2015 (que criou uma força-tarefa para avaliar e propor medidas para o aprimoramento do SISEMA) preconizam, apesar de ter sigo garantido pelo Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Luiz Sávio de Souza Cruz, na 163ª reunião do Plenário do COPAM, realizada em 22/4/2015, e na reunião seguinte do plenário do COPAM, realizada em 15/7/2015, quando o Secretário disse que “quanto ao projeto de reestruturação do SISEMA, foi criado um grupo para redigir uma proposta, que seria apresentada ao COPAM logo que estivesse formatada”.
Além disso, existe ainda o risco de, a pretexto de agilizar os licenciamentos e priorizar empreendimentos considerados estratégicos pelo Governo, ampliar a insegurança jurídica, os danos ambientais e os conflitos sociais associados a grandes projetos, enquanto que a raiz do problema é mais uma vez ignorada, como o caos e sucateamento dos órgãos ambientais (revelados no início do atual Governo), a falta de condições operacionais, humanas e financeiras para a boa prestação do serviço público na área de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado, o excesso de intervenção política na gestão ambiental e os projetos inconsistentes e mal fundamentados.
Não queremos retrocessos na defesa e promoção do meio ambiente equilibrado, direito de todos nós brasileiros, e tampouco admitimos que se venha desmontar, de forma imperial e sem participação da sociedade, um processo histórico no qual se construiu, arduamente, a possibilidade de participação social na gestão ambiental, que é um dos direitos constituintes da nação brasileira e do povo mineiro, inscritos nas respectivas cartas magnas.
Assim, as entidades que assinam o presente documento requerem que este Projeto de Lei seja retirada do regime de urgência e que seja analisado criteriosamente quanto à constitucionalidade e legalidade antes de tramitar normalmente na ALMG, para que seu resultado seja duradouro e realmente aprimore o atual SISEMA e respectivas instâncias e fluxos de tomadas de decisão.
Contamos que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais saberá dar o tratamento legal, processual e democrático, escutando a sociedade de Minas Gerais, de forma a garantir a seriedade e isenção desta construção legal. O avanço da política e dos meios de preservação e promoção ambiental e das águas de Minas Gerais é, com certeza, uma expectativa forte da maior parte da população, haja vista a grave situação que vem se revelando dia a dia, ano a ano, nas diferentes regiões que nos constituem – fatos amplamente divulgados pelos meios de comunicação e redes sociais.

Assinam esse Manifesto:
ACAL - Associação Comunitária Água Limpa (Rio Acima)
Associação de Conservação Ambiental Orgânica (Acaó)
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade – AFES
ADAO – Associação Desenvolvimento, Artes e Ofícios
ADDAF- Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros
AMDA
Arca Amaserra
Articulação da Bacia do Rio Santo Antônio
Associação dos Condomínios Horizontais - ACH
Associação Cultural Ecológica Lagoa do Nado-BH/MG
Associação do Patrimônio Histórico, Artístico e Ambiental de Belo Vale (APHAA-BV) 
Associação para Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (ANGÁ)
Associação PRÓ Vida de Rio Acima
Boi Rosado Ambiental
Brigadas Populares
Campanha pelas Águas e Contra o Mineroduto da Ferrous
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
Coletivo Margarida Alves
Comitê Mineiro em Defesa dos Territórios Frente à Mineração
Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) 
Condomínio Cachoeiras do Tangará – Rio Acima
CPT-MG (Comissão Pastoral da Terra)
CSP-Conlutas
Ecos do Gorutuba
FETAEMG
Fica Ficus 
Fórum Mineiro de Comitês de Bacia Hidrográfica
Fórum Nacional da Sociedade Civil em Comitês de Bacia – FONASC
GESTA-UFMG
Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS/UFJF-UFRJ-UERJ)
Grupo Rede Congonhas
Indisciplinar UFMG
Instituto Guaicuy SOS Rio das Velhas
Juventude Franciscana do Brasil-JUFRA
Labcen - Laboratório de Cenários Socioambientais da PUC Minas
Movimento Águas e Serras de Casa Branca – Brumadinho
Movimento Artístico, Cultural e Ambiental de Caeté - MACACA
Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte – MAMBH
Movimento Fechos, eu cuido!
Movimento Mineiro pelos Direitos Animais
Movimento Mudança
Movimento Parque Jardim América 
Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM
Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM)
Movimento Salve a Mata do Planalto
Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (NINJA) da Universidade Federal de São João del-Rei
Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental - NIISA / UNIMONTES
Ong Abrace a Serra da Moeda
Ong Lagoa Viva
Piseagrama
Pro-Civitas (Associação Pro-Civitas dos Bairros São Luís e São José)
Projeto Manuelzão/UFMG
REAJA - Rede de Articulação e Justiça Ambiental dos Atingidos Projeto Minas Rio
Rede Congonhas – UNACCON
Rede Verde
SINFRAJUPE- Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia
SOS Serra da Piedade
UNACCON - União das Associações Comunitárias de Congonhas
UNICON - Unidos por Conceição do Mato Dentro
União Nacional Estudantil (UNE)

Valor Natural

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terça-feira, 13 de outubro de 2015

Carta aberta à Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Minas Gerais: Diga Não ao Projeto de Lei n. 2.946/2015.

Carta aberta à Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Minas Gerais: Diga Não ao Projeto de Lei n. 2.946/2015.

“O Projeto de Lei nº 2.946/2015, ora proposto pelo Governador Fernando Pimentel, altera consideravelmente a base conceitual do Sistema Estadual de Meio Ambiente sendo notório o caráter predominantemente centralizador da política ambiental de Minas Gerais nas esferas do poder executivo, pretendido pelo atual governo, o que fere tanto o ordenamento jurídico estadual e federal como o direito à participação da sociedade civil e de outros entes que participam das instâncias colegiadas que compõem o SISEMA, de acordo com a legislação vigente.”

Belo Horizonte, 13/10/2015

À Comissão de Constituição e Justiça
Assembleia Legislativa de Minas Gerais

Assunto: Projeto de Lei nº 2.946/2015

Considerando que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (art.225 da Constituição do Brasil e art. 214 da Constituição de Minas Gerais).
Considerando que para assegurar a efetividade do direito a que se refere o art. 225, incumbe ao Estado (§ 1º do art. 225 da Constituição do Brasil), entre outras atribuições “estabelecer, através de órgão colegiado, com participação da sociedade civil, normas regulamentares e técnicas, padrões e demais medidas de caráter operacional, para proteção do meio ambiente e controle da utilização racional dos recursos ambientais. (inciso IX do § 1º do art. 225 da Constituição do Brasil)
Considerando que o Projeto de Lei nº 2.946/2015, de autoria do Governador Fernando Pimentel, publicado no Diário do Legislativo no dia 8/10/2015, dispõe sobre o Sistema Estadual de Meio Ambiente – SISEMA - e dá outras providências no âmbito da política ambiental de Minas Gerais.
Considerando que o Decreto nº 46.733, de 30/3/2015 que “Institui Força-Tarefa com a finalidade de diagnosticar, analisar e propor alterações no funcionamento do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SISEMA” em seu art. 5º diz que “Os órgãos e entidades que compõem a Força-Tarefa deverão atuar de maneira articulada com o Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM – , nos termos do Decreto nº 44.667, de 3/12/2007.”
Considerando que o Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM - “tem por finalidade deliberar sobre diretrizes, políticas, normas regulamentares e técnicas, padrões e outras medidas de caráter operacional, para preservação e conservação do meio ambiente e dos recursos ambientais, bem como sobre a sua aplicação pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, pelas entidades a ela vinculadas e pelos demais órgãos locais. (art 3º do Decreto nº 44.667, de 3/12/2007)
Considerando que os órgãos e entidades que compuseram a Força-Tarefa não atuaram de maneira articulada com o Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM - e que as alterações no funcionamento do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SISEMA - apresentadas no Projeto de Lei nº 2.946/2015 não foram apresentadas ao COPAM no âmbito do Plenário e também da Câmara Normativa Recursal (CNR).
Considerando que em ambas as estruturas do COPAM - Plenário e CNR - conselheiros demandaram informações sobre o andamento dos trabalhos da força-tarefa instituída pelo Decreto nº  46.733, de 30/3/2015 e salientaram a necessidade do resultado final ser pautado para deliberação das estruturas colegiadas e, assim, para conhecimento também da sociedade.
Considerando que o Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Luiz Sávio de Souza Cruz, na 163ª reunião do Plenário do COPAM, realizada em 22/4/2015, informou que ele era “o representante do COPAM na força-tarefa e que o momento atual é de formulação de propostas para, posteriormente, serem apresentadas para o Conselho e, se for o caso, à Assembleia Legislativa” e na 164ª reunião do plenário do COPAM, realizada em 15/7/2015 disse que “Quanto ao projeto de reestruturação do Sisema, foi criado um grupo para redigir uma proposta, que será apresentada ao COPAM logo que estiver formatada”.
Considerando que em 7/4/2015 foi encaminhado ao Governador Fernando Pimentel um ofício, endossado por 25 organizações socioambientais, a respeito do Decreto nº 46.733, de 30/3/2015, que institui a “Força-Tarefa com a finalidade de diagnosticar, analisar e propor alterações no funcionamento do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SISEMA”, solicitando o agendamento de uma reunião para tratar do assunto, que não foi realizada.
Considerando que o teor do Projeto de Lei nº 2.946/2015, ora proposto pelo Governador Fernando Pimentel, altera consideravelmente a base conceitual do Sistema Estadual de Meio Ambiente sendo notório o caráter predominantemente centralizador da política ambiental de Minas Gerais nas esferas do poder executivo, pretendido pelo atual governo, o que fere tanto o ordenamento jurídico estadual e federal como o direito à participação da sociedade civil e de outros entes que participam das instâncias colegiadas que compõem o SISEMA, de acordo com a legislação vigente.
Considerando que não podemos retroceder agora num processo histórico no qual se construiu, arduamente, a possibilidade de participação social na gestão ambiental, que é um dos nossos direitos fundamentais, conforme rege a Constituição Brasileira e Mineira.
Considerando que frente à escassez hídrica em Minas Gerais a gestão ambiental adquire mais do que nunca uma importância estratégica que não pode ser focada no aspecto estritamente econômico, que demanda do Estado agilizar licenciamentos, e muito menos ser centralizada por nenhum setor da sociedade, precisando ser obrigatoriamente participativa, até para que a população se sinta verdadeiramente parte do processo em busca de soluções.
Considerando que a situação de inconstitucionalidade e ilegalidade do projeto de lei em causa, se transformada em norma, se traduzirá em ato inconstitucional e ilegal da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e em insegurança jurídica, o que deve ser evitado não só em prol dos empreendedores, como da população e da conservação, preservação e recuperação dos bens naturais e da melhoria da qualidade ambiental do Estado.
Considerando que a legalidade e os princípios democráticos devem ser observados em qualquer proposição apresentada à Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Considerando que “às comissões, em razão da matéria de sua competência, da matéria compreendida em sua denominação ou da finalidade de sua constituição, cabe, entre outras, “receber petição, reclamação, representação ou queixa de qualquer pessoa contra ato ou omissão de autoridade ou entidade públicas”. (inciso X do art. 100 do Regimento Interno da ALMG)
Considerando que é da competência da Comissão de Constituição e Justiça, entre outras, “os aspectos jurídico, constitucional e legal das proposições”. (inciso III do art. 102 do Regimento Interno da ALMG) assim como “propor a sustação dos atos normativos do Poder Executivo que exorbitem da competência regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. (inciso XVII do art. 102 do Regimento Interno da ALMG)
São essas, Senhor Presidente e demais membros da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, as razões que me levam a requerer a essa Comissão de Constituição e Justiça que delibere pela inconstitucionalidade e ilegalidade do Projeto de Lei nº 2946/2015.

Assina em sintonia com os movimentos socioambientais que lutam por Justiça socioambiental,
Frei Gilvander Luís Moreira, assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
RG 790.151 SSP/DF,
End.: Rua Iracema Souza Pinto, 695, Planalto, CEP: 31720-510, Belo Horizonte, MG.

Belo Horizonte, MG, 13 de outubro de 2015.


Obs.: Quem puder e quiser assinar e divulgar essa Carta Aberta, beleza!